O grande desafio de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na presidência da República será o de equacionar a questão fiscal, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. “Não seria diferente se Jair Bolsonaro tivesse sido eleito”, diz o diretor de risco da Allianz Trade, Felipe Tannus.
Não será tarefa fácil, porém. Uma série de promessas foi “contratada” na campanha pelo então candidato petista e seu cumprimento deve levar as contas públicas de volta ao vermelho e elevar a dívida do governo. Essas promessas dizem respeito a aumento de gastos e benefícios sociais e de redução na arrecadação. As principais:
manutenção de R$ 600 por mês para o Auxílio Brasil e concessão de R$ 150 por criança de até seis anos às famílias beneficiadas;
aumento real (acima da inflação) do salário mínimo; e
continuidade da isenção de impostos federais sobre combustíveis.
Promessas semelhantes foram feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que não conseguiu a reeleição. Além de manter o Auxílio Brasil em R$ 600, ele falou em 13.º para as mulheres inscritas no programa e na reta final da campanha também prometeu aumento real para o salário mínimo e as aposentadorias. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou retomada dos reajustes para os servidores. Outra promessa comum de Lula e Bolsonaro foi a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda.
O cumprimento das promessas de Lula pode levar o setor público a um déficit primário – ou seja, gastos maiores que a arrecadação – de 1,9% do PIB em 2023, projeta a Allianz Trade. Um número bem pior que o atual consenso de mercado, que já espera uma deterioração das contas públicas: no momento, a mediana das projeções aponta para um déficit de 0,5% do PIB no ano que vem, com estabilização em 2024 e retomada dos superávits de 2025 em diante.
Se confirmado, o déficit de 1,9% será o maior desde 2016 (-2,48% do PIB), excluindo-se o dado de 2020, influenciado pelo combate à pandemia (-9,41% do PIB).
Para 2022, a projeção de mercado é de um resultado positivo – isto é, um superávit primário, com gastos menores que a arrecadação – próximo de 1% do PIB, segundo o boletim Focus, do Banco Central. Será o segundo ano seguido do setor público no azul – em 2021, o saldo positivo foi de 0,75% do PIB – após uma sequência de sete anos no vermelho.
Nos 12 meses encerrados em setembro, de acordo com o Banco Central, o superávit primário do setor público consolidado atingiu R$ 181,4 bilhões, o equivalente a 1,93% do PIB. Parte desse desempenho se deve ao aumento da arrecadação de impostos, com a retomada da economia, e à forte alta dos dividendos pagos por estatais, em especial a Petrobras, e outras receitas extraordinárias.
Outro impacto do não equacionamento da questão fiscal seria o aumento do endividamento público brasileiro, que teve forte redução a partir de 2021 e agora pode tomar rumo oposto. Essa virada aumentaria o risco de rebaixamento da nota de crédito brasileira, o encarecendo a captação de recursos no exterior.
Em setembro, a dívida bruta do governo geral equivalia a 77,1% do PIB, 5 pontos porcentuais abaixo da registrada um ano antes e quase 12 pontos porcentuais abaixo do pico de 89% do PIB alcançado em outubro de 2020, por causa dos gastos com a pandemia.
Antes mesmo da eleição o mercado já trabalhava com a possibilidade de aumento da dívida pública a partir de 2023. No momento, a mediana das projeções indica relação dívida/PIB de 77,8% no fim de 2022 e aumento em todos os anos seguintes, até pelo menos 2031. Para o ano que vem, por exemplo, o ponto médio das estimativas é de dívida de 81,4% do PIB e, para 2024, de 83,1%.
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