Assim, nos cenários mais pessimistas (SSP3 – 7,0 e SSP 5 – 8,5), o aquecimento global no século 21 superaria 2°C em relação ao período de 1850-1900. No cenário intermediário (SSP 2 – 4,5), seria extremamente provável um aquecimento global de 2°C e, nos cenários otimistas (SSP 1 – 1,9 e SSP 1 – 2,6), seria improvável um aquecimento global de 2°C.
Tal projeção carrega várias consequências: com temperaturas mais altas, o ciclo da água ocorre de maneira mais intensa; assim, o tempo fica desregulado, com cada vez maior ocorrência dos chamados eventos adversos — de longas secas a enchentes pontuais, passando por temperaturas elevadas que trazem danos para a produção de alimentos e até mesmo para saúde humana.
Especialistas ouvidos pela CNN concordam que o relatório subiu o tom na atual edição com relação à gravidade da questão. A explicação principal é que, com o passar do tempo, a crise climática se torna cada vez mais severa, exigindo, portanto, uma linguagem mais direta e alarmista. Mas também pesaram outros dois fatores, um científico e um político.
“O texto é muito mais direto porque há maior certeza sobre a contribuição antropogênica sobre o aquecimento global. O relatório reflete a evolução dos modelos climáticos e o melhor histórico dos dados”, comenta Natalie Unterstell, presidente do think thank Talanoa, dedicado à política climática, e mestre em políticas públicas pela Universidade de Harvard.
Pesquisador no Instituto Ambiental de Estocolmo, o biólogo Mairon Bastos Lima atenta para o fato de que a palavra “human” aparece 42 vezes no texto divulgado pelo IPCC, “mais que o triplo do relatório anterior (12 vezes)”, dando uma amostra que o texto é muito mais categórico sobre a responsabilidade humana pelas mudanças climáticas.
“A ciência avançou muito nestes últimos sete anos [quando foi divulgado o relatório anterior]. 2013 parece quase a pré-história em termos de modelagem, computação de dados etc, que permitem associar a ação humana a uma apreciação cada vez mais detalhada nas mudanças do clima”, diz ele.
O aspecto político, segundo os especialistas, tem a ver com o negacionismo climático, ampliado com a ascensão ao poder de políticos considerados negacionistas, como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e o atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. “Pode haver uma clareza no painel de que, diante de tanto negacionismo de lá para cá, é preciso ser nítido e categórico acerca de qual é a situação em que estamos”, pontua Lima.
Os sinais [da crise climática] já tinham sido alertados no relatório anterior, mas parece que não foi suficiente. Este novo, reforça mensagem: não há mais espaço para o negacionismo”, define o engenheiro florestal Argemiro Teixeira Leite Filho, professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ação humana
Para o diretor executivo do WWF-Brasil, o engenheiro florestal Mauricio Voivodic, o tom mais elevado se justifica porque “a janela de oportunidade para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C [cenário otimista] está se fechando”. “Os alarmes já tocam há muito tempo e este relatório é um megafone”, ressalta ele. “Não há mais dúvidas de que o clima está mundo por conta da ação humana. Nós alteramos irreversivelmente o planeta.”
O relatório aponta, por exemplo, que em 2019 as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera estiveram mais altas do que em qualquer momento dos últimos 2 milhões de anos. Considerando que o planeta — e os próprios seres vivos que nele habitam — passaram por muitas transformações no período, é inevitável concluir que esse tipo de cenário coloca em risco às próprias sobrevivências das espécies.
Estamos caminhando para uma temperatura média que corresponde à que a Terra tinha há 3 milhões de anos — antes do australopiteco”, ilustra Lima. “Um ambiente muito diferente daquele em que a espécie humana surgiu, para não falar daquele em que as culturas humanas, os padrões de habitação, produção de alimentos se organizaram.”
Tanto organizações não-governamentais quanto cientistas da área concordam que esta década de 2020 será crucial para conter a crise climática. Em comunicado divulgado à imprensa, a diretora de Clima da WRI Brasil, Carolina Genin, ressaltou que “temos 10 anos críticos diante de nós para conter o aumento da temperatura média da Terra” e lembrou que o Brasil tem papel importante esse contexto e precisa “acelerar a transição de sua economia para um modelo bem menos dependente de combustíveis fósseis”.
Fonte: CNN Brasil
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